Há protocolos vacinais mais seguros para cães no Brasil?

No primeiro artigo sobre vacinação, busquei deixar claro a importância do uso consciente das vacinas na prevenção do adoecimento de cães. O objetivo desta série de textos é colocar você, leitor, a par das modificações sugeridas nos protocolos vacinais por órgãos internacionais e associações mundiais que avaliam as boas práticas na clínica de pequenos animais.

Me esforço nesta ação para que tutores de cães e profissionais do setor pet não sejam pegos de surpresa com as novas práticas que, nos próximos anos, pouco a pouco passarão a ser realizadas por todos os médicos veterinários em nosso país. De posse das atualizações trazidas em inúmeros novos estudos científicos na área de vacinologia já citados no primeiro artigo da série, compreendemos a urgente necessidade de aprimorar os atuais protocolos vacinais em uso no Brasil.


SERÁ QUE VOCÊ UTILIZA UM PROTOCOLO VACINAL DESATUALIZADO?

Minha recomendação prática é que você reveja os seus protocolos vacinais se:

  • Vacinas essenciais que conferem proteção por um período de no mínimo 3 anos forem administradas anualmente;
  • Houver aplicação de vacinas não essenciais, como as que protegem contra leptospirose, por meio de coquetéis vacinais V8 ou V10 em cães cuja localização geográfica, ambiente local e estilo de vida não os colocam em risco de contrair estas doenças;
  • Forem recomendadas e utilizadas anual ou semestralmente vacinas que não possuem comprovação de eficácia na prevenção de doenças como giardíase e coronavirose,
  • Não sejam realizados testes sorológicos para conferir se as vacinas essenciais fizeram efeito ou para identificar indivíduos geneticamente incapazes de responder aos imunizantes;
  • Testes sorológicos não forem utilizados para saber se há necessidade de revacinar o animal contra as doenças mais letais.


POR QUE PROTOCOLOS QUE ADOTAM AS PRÁTICAS ACIMA SÃO MUITO MENOS SEGUROS?

O uso de vacinas não é um processo inócuo e livre de riscos. Existem possibilidades, mesmo que remotas, de uma aplicação gerar reações adversas imediatas ou tardias e isso, as próprias bulas dos produtos informam. Seu uso pode desencadear processos de adoecimento crônico em animais predispostos, como por exemplo a doença auto-imune. Este risco existirá independente do protocolo utilizado.

Quanto mais aplicações vacinais o animal receber, maiores as chances de ele ter reações adversas.  Aplicar anualmente reforços vacinais quando eles não são necessários, implica no aumento do risco de reações adversas em função da exposição repetida às substâncias contidas nas vacinas.

Pautado nas evidências científicas citadas no primeiro artigo, nas recomendações da WSAVA (Associação Veterinária Mundial de Pequenos Animais) e nos produtos vacinais que temos disponíveis no Brasil, sugiro um número menor de aplicações nos cães ao longo de sua vida.

Reduzir o número de aplicações resulta na redução das possibilidades de reações adversas ocorrerem.

Considerem que apesar destes riscos existirem, ainda assim, é de vital importância a aplicação consciente e pontual de vacinas. Elas são indispensáveis para evitar doenças letais não só para os nossos cães mas para todos aqueles que possam entrar em contato direto ou indireto com eles.


POR QUE PROTOCOLOS DESATUALIZADOS GERAM DESPERDÍCIO DE DINHEIRO?

Sobre a aplicação anual de vacinas classificadas como essenciais, foi demonstrado que esta prática não traz qualquer benefício preventivo já que as vacinas aplicadas protegem por NO MÍNIMO 3 anos.  O dinheiro está sendo destinado para um procedimento que não vai trazer benefícios para o animal e que pode gerar reações adversas.

O dinheiro utilizado na aplicação de vacinas classificadas como não essenciais, anual ou semestralmente, em cães nos quais foi constatada a necessidade dos imunizantes, não é um desperdício mas sim um investimento.


PORQUE OS NOVOS PROTOCOLOS AINDA NÃO SÃO PRATICADOS MASSIVAMENTE?

Acredito que a não adoção das práticas atualmente recomendadas por entidades como a Associação Veterinária Mundial de Pequenos Animais, dá-se por duas razões:

1- Acesso restrito aos conhecimentos e informações necessárias para a atualização técnico-científica dos profissionais que atuam na área.

O deficiente acesso a informações costuma gerar argumentos contrários à redução do número de vacinas aplicadas nos cães ao longo da vida. Uma das objeções que costumam me colocar é que a instauração de protocolos sem vacinação anual no Brasil é inviável devido aos muitos animais sem vacinação perambulando em nossas ruas, aumentando muito a exposição dos nossos pacientes a agentes infecciosos. Afirmam que em países mais desenvolvidos, isto é possível pois não há tantos cães de rua ou domiciliados sem vacina. Para sanar esta dúvida comum, recorro alguns conceitos básicos aprendidos na matéria de imunologia.

Quando nossos pacientes são adequadamente vacinados ou venceram uma infecção natural por vírus ou bactérias, podem formar as chamadas células de memória, que desempenham o papel de:

  • Manter durante vários meses, anos ou pelo resto da vida a capacidade de identificar as partículas infecciosas, com as quais o organismo já esteve em contato;
  • Produzir pelo mesmo período de tempo, anticorpos capazes de defender o animal adequadamente contra os agentes identificados.

Pouco importa o tamanho do exército que tenta infectar o corpo ou a quantidade de ataques sofridos. Cães que responderam à vacinação com vacinas essenciais contendo tecnologia de vírus vivo modificado ou recombinante, formam estas células que mantêm-se ativas e produtivas por anos e anos evitando o adoecimento diante do contato com animais contaminados (TIZARD 2010, BOHM ET ALl. 2004, MOUZIN ET ALl. 2004, SCHULTZ 2006, MITCHELL ET AL. 2012). Isso também vale para animais vacinados com vacinas essenciais com tecnologia de vírus inativado, vacinas não essenciais e vacinas contendo antígenos bacterianos (Leptospira e Bordetella). A diferença destas últimas tecnologias para as primeiras é que a memória imunológica nestes casos é mais curta, tornando necessários reforços mais frequentes para proteção confiável (ELLIS & KRAKOWKA 2012, KLAASEN ET AL. 2014, ELLIS 2015, SCHULLER ET AL. 2015). O tempo de duração da proteção pode ser conferida no primeiro texto da série.

É importante recordar que estas últimas vacinas citadas, apesar de não gerarem uma memória de defesa muito prolongada, só devem ser administradas após uma avaliação minuciosa do cachorro, ou seja, devem ser considerados os verdadeiros riscos do animal contrair as doenças contra as quais ele será vacinado, e também deve-se ponderar se os benefícios de cada vacina superam os riscos inerentes ao procedimento.

2- Indisponibilidade de vacinas isoladas no mercado, que possam compor com precisão um protocolo minimalista.

Em solo brasileiro contamos exclusivamente com coquetéis vacinais. Não temos a disposição agentes isolados que possam viabilizar um protocolo totalmente individualizado para cada cão.


QUAL O PROTOCOLO QUE ACREDITO SER O MAIS VIÁVEL NO BRASIL?

Aos 2 meses de idade, a opção menos invasiva é a V2. Caso o médico veterinário avalie que há riscos reais de o animal ser infectado pelo adenovirus tipo II, parainfluenza ou coronavirose, deve optar pelo uso da V6. Se for avaliado que além das 3 últimas citadas, há risco de infecção pela bactéria da leptospirose, optar pela V8.

O protocolo que eu recomendo, considerando o contexto brasileiro.

O protocolo que eu recomendo, considerando o contexto brasileiro.

Como você pode perceber, a vacina V10 não é recomendada neste protocolo. A diferença entre ela e a V8 é que esta possui 2 espécies de leptospirose, enquanto a V10 possui 4 espécies. Estas duas espécies extras que a V10 possui, acometem majoritariamente animais silvestres, resultam em doença branda e pouco ocorrem no Brasil. Por este motivo e pelo fato de que as vacinas contendo leptospira são as que possuem maior potencial para gerar reações adversas é que não vejo motivos contundentes para utilizar a V10.

A minha preferência pelas vacinas Recombitek da Boehringer Ingelheim deve-se ao fato de que possuem tecnologias vacinais avançadas, como a vacina recombinante contra cinomose, que é mais segura para o animal, reduzindo reações adversas. Além disto, a V8, que confere proteção contra a Leptospirose, não faz uso de adjuvantes. O adjuvante é um elemento que “irrita” o sistema imunológico do animal para que haja uma maior produção de anticorpos.

A partir dos 4 meses de idade, o veterinário pode avaliar a necessidade do cão ser vacinado contra a Leishmaniose Visceral Canina. Nestes casos, o animal receberá 3 doses da Leishimune® com intervalos de 21 dias.

Como dito anteriormente, a vacina contra “tosse dos canis” é considerada por veterinários ao redor de todo o mundo como opcional (DAY, HORZINEK, SCHULTZ,SQUIRES, 2016). Caso o profissional avalie que é indispensável o animal recebê-la porque vive em um ambiente com muitos outros cães, exposto a diversos elementos estressores que debilitam seu sistema imune, entre outros quesitos que direcionam para esta decisão, é só seguir o protocolo da bula de um dos produtos disponíveis no mercado.

Com relação à titulação de anticorpos, além do que sugiro na tabela acima, recomendo a repetição 3 anos após o reforço vacinal realizado quando o animal completa 1 ano e 4 meses, ou seja, quando completar 4 anos e 4 meses. A titulação é realizada para saber se há necessidade de revacinar. A titulação, passados esses primeiros 3 anos, pode ser realizada anualmente ou a critério do médico veterinário.

 

Espero que este artigo tenha sido útil e que tenha contribuído para sua informação sobre os protocolos de vacinação mais atuais.

Obrigado pela leitura,

Um abraço, e até a próxima.